Financiamento coletivo, “paitrocínio”, apoio privado, investimento próprio: cada uma das 26 produtoras presentes na Game Developers Conference 2014, ou simplesmente GDC, conta uma história diferente sobre as dores e, porque não, as delícias que envolvem desenvolver jogos no Brasil. Para esses jovens, muitos deles abaixo dos 30 anos, ir ao evento em São Francisco, nos EUA, é uma chance de mostrar trabalho para as gigantes do ramo.
Sediada em São Paulo – ainda que cada um trabalhe de casa -, a Pocket Trap é uma empresa de três rapazes, sendo que o mais velho deles, Rodrigo Zangelmi, tem 24 anos, e cuida da direção de arte, enquanto o “caçula”, o programador Henrique Lorenzi, tem 19. Mas é Henrique Caprino, de 22 anos, que toma a frente para falar com potenciais parceiros e investidores.
Em 2012 a Pocket Trap lançou “Ninjin”, para iOS, e embora o jogo não tenha pago as contas, serviu de cartão de visitas: “Na GDC 2013 fizemos contato com a Sony, que gostou do jogo e nos cedeu um kit de desenvolvimento do PS Vita para adaptarmos ‘Ninjin’ para o portátil”, conta Caprino.
Desde então o pai de Caprino injetou R$ 30 mil no negócio e a empresa conseguiu captar mais R$ 50 mil através de um edital da Prefeitura de São Paulo. Agora o trio trabalha a todo vapor na próxima versão do game, “Ninjin: Clash of Carrots”, com intenção de colocá-lo no PC, no PS Vita e, dependendo de como forem as reuniões com a Nintendo durante a GDC, também no Wii U. “Nosso objetivo na GDC é, sobretudo, aprender”, diz Caprino”.
A Pocket Trap faz parte de uma nova era no cenário do desenvolvimento de games do Brasil, dominada pelos “indies”, ou seja, os criadores independentes. O lema? Criar os games que eles gostariam de jogar. “Na faculdade, se falássemos que o público-alvo éramos nós mesmos, levávamos bronca do professor, mas agora podemos dizer isso”, comemora Zangelmi, que cursou Desenvolvimento de Jogos 3D na Anhembi Morumbi, em São Paulo.
A voz do povo
Talvez o maior exemplo de sucesso do estilo indie “a gente faz o que a gente joga” seja a Behold Studios, de Brasília, capitaneada por Saulo Camarotti, de 27 anos: cansado de ter que desenvolver advergames para sobreviver, o empreendedor esteve perto de fechar a empresa quando, no sacrifício, resolveu criar “Knights of Pen & Paper, totalmente dedicado ao nicho dos amantes de RPGs de mesa – ele próprio um deles, é claro.
Foi um sucesso: “Knights” acumulou 700 mil cópias vendidas no Android, iOS e PC, gerando US$ 2 milhões para a Behold. “‘Knights’ foi feito na cara e na coragem, em oito meses de trabalho de quatro pessoas que se encontravam numa cafeteria com wi-fi grátis, pois não tínhamos conexão à internet e tampouco uma sede”, lembra Camarotti.
Capitalizada e dona de uma base de fãs, o próximo passo da Behold foi apostar no financiamento coletivo do Kickstarter, com “Chroma Squad”, em que o jogador vai administrar um estúdio de sentai, aqueles heróis do tipo “Power Rangers” – olha o nicho aí de novo. “Pedimos US$ 50 mil [no Kickstarter] e conseguimos US$ 98 mil”, conta Camarotti.
Depois de visitar a GDC em anos anteriores em busca de oportunidades de negócio, desta vez a Behold, hoje com sete funcionários, foi a São Francisco com o único objetivo de promover “Chroma Squad”, que já tem lançamento confirmado para PC, Xbox One e PlayStation 4. E eles mantêm uma promessa: nada de F2P, transações in game ou coisa do tipo.
Editais e Lei Rouanet
Num setor em processo de amadurecimento como é o desenvolvimento de games no Brasil, é natural que ideias nasçam de reuniões casuais entre entusiastas de um mesmo assunto. Foi o que aconteceu com Alessandro Martinello, Conrado Testa, Luiz Alvarez e Vitor Severo Leães, que se conheceram na pós-graduação em Desenvolvimento de Jogos da PUC-RS, em Porto Alegre.
Como trabalho de conclusão de curso nasceu “Toren”, um adventure que aborda temas como descoberta e amadurecimento em uma trama que envolve uma jovem mantida como prisioneira em uma torre. Naturalmente, “Toren” se saiu muito bem como projeto da pós e logo Alessandro, Conrado e Luiz – Vitor ainda não havia se juntado ao grupo – decidiram continuar a produção.
Cada um manteve seu emprego e, nas horas vagas, o “passatempo” era o “Toren”. A estratégia não deu certo por muito tempo: àquela altura trailers e imagens do jogo já estavam na web e atraíram a atenção de muita gente. Para ajudar a responder e-mails, falar com a imprensa e, principalmente, captar recursos para a continuidade do projeto, Vitor juntou-se ao grupo.
“Comecei a estudar a Lei Rouanet em 2012 para tornar ‘Toren’ elegível à captação de fundos. Foi aí que nasceu a Swordtales, da necessidade de ter uma empresa, e obtivemos R$ 100 mil por doação anônima, que serviu para o doador como abate do imposto de renda”, explica Vitor.
Hoje os quatro se dedicam totalmente ao “Toren”, mas não sem sacrifícios: ganham muito menos do que poderiam se estivessem no mercado de trabalho. “‘Toren’ é um jogo mais curto, de 3 a 4 horas de gameplay. Está 70% pronto e o que estamos tentando é buscar uma parceria com um publisher pra lançar ao menos no Ocidente no 2º semestre [de 2014], para PC”, diz Vitor.
“No Brasil o cara precisa estar ciente que não vai fazer apenas o jogo, mas cuidar de todos os aspectos de administração e gestão de empresas, além de política também. Envolver-se com associações, ir a eventos, trocar cartões”, completa.
Game Connection
Paralelamente à GDC acontece a Game Connection, evento que consiste em uma agenda constante de reuniões de negócios. O Brasil participa com apoio da Apex, que banca o espaço da delegação brasileira no evento. Cabe às empresas pagarem as despesas da viagem, como passagens aéreas, hospedagem e alimentação.
Com 17 funcionários e longe do perfil indie, a Petit Fabrik, que fica em Manaus e é parte da Tap4, uma empresa de tecnologia, está entre as participantes da Game Connection. O grupo veio a São Francisco em busca de interessados em publicar pelo menos quatro jogos mobile desenvolvidos pela Petit Fabrik, e para evoluir a conversa com a Sony, uma vez que outro projeto é um game para PlayStation 4.
“Na Game Connection do ano passado viemos em doze pessoas, um investimento pesadíssimo, e fizemos mais de 50 reuniões. Conhecemos um monte de gente, inclusive a Sony, que estava em busca de um estúdio pequeno e muito criativo. Eles encontraram”, conta Olimpio Neto, 31, produtor executivo da Petit Fabrik.
“Temos lastro para arriscar, encontrar a fórmula certa. A Rovio, do ‘Angry Birds’, lançou 50 jogos antes de emplacar ‘Angry Birds’, que foi seu primeiro sucesso”, completa Neto. Façam suas apostas.
Fonte: UOL